Como ficarão as empresas e os modelos de gestão pós pandemia
Pode ser um tanto prematuro, no entanto, podemos aproveitar a intensidade das experiências vividas por este momento em nossas vidas, tanto nas dimensões individual e profissional, como também na empresarial, para refletir sobre aspectos que deverão ser incorporados ou não, em nossa nova realidade.
As empresas e seus modelos de gestão já vinham em constante processo de mudança por conta da evolução tecnológica, num mercado cada vez mais competitivo e conectado. Neste sentido, tanto as empresas como os modelos de gestão vinham incorporando e se adaptando a essas mudanças em velocidades distintas, ditadas, ora pelo ambiente, ora pela sua capacidade de reação.
Convivíamos numa realidade, com empresas mais tradicionais num vetor, chamadas plataformas exponenciais desenvolvidas pela Google, Amazon, e outras e, num outro vetor, ao mesmo tempo, os ecossistemas de negócios nascidos na China, como Alibaba, Tencent e outros. Cada um com suas características e todos em constante mutação por conta do ambiente e de mercado voláteis.
E, de uma hora para outra, todos são atropelados por esta força transformadora, precipitada pela combinação da pandemia com crise econômica, com efeitos nos planos político e social. A combinação desses elementos e sua intensidade deverão gerar mudanças abrangentes nos modelos de negócios, nas empresas e na gestão.
Nossas percepções sobre espaço e local de trabalho vão mudar, porque nós mudamos como sentimos, pensamos e reagimos. O home office que nasceu como uma proposta de redução de custos e benefícios para alguns, foi alçado a uma condição diferente por conta do que estamos vivenciando. Para alguns, as facilidades, a convivência, a produtividade, menos tempo de deslocamento, especialmente quando não for obrigatório. Já para outros, as dificuldades e os problemas decorrentes da ausência de infraestrutura e condições práticas. Muito terá que ser editado e reprogramado.
No entanto, abre-se a possibilidade de repensar demandas locais e espaços, afetando o mercado imobiliário comercial e residencial, novos projetos, talvez, como áreas coletivas em ambientes de coworking em prédios devidamente preparados. Essa dinâmica já é realidade para muitas empresas de tecnologia por conta da familiaridade com ferramentas digitais e por escassez de profissionais qualificados, obrigando essas empresas ao recrutamento de pessoas em âmbito global para ter acesso à suas competências.
Com poucos dias reclusos em casa já passamos a valorizar a importância da socialização e do trabalho em grupo, acreditando que, na sua evolução, mais empresas adotarão o home office (ou espaços de coworking) e reuniões virtuais, não descartando a importância de nos socializarmos como espécie (necessidade de se estar junto fisicamente).
Os modelos tradicionais de organização, inspirados na hierarquia militar, e seus reflexos na gestão, foram construídos dentro da visão piramidal e, com o tempo, foram sendo horizontalizados para reduzir a distância entre a cúpula e a base dentro das empresas, aproximando a organização de seus clientes finais.
No mercado muito competitivo que vivenciamos essa conexão mais intensa, constante e direta em todos os níveis e com o mercado, será cada vez mais crítica, e toda a organização e seus modelos de gestão devem privilegiar essa conexão mais próxima.
Para isso as empresas deverão repensar sua cultura, estruturas e canais de relacionamento, interno e externo, tendo como objetivo essa maior proximidade de forma permanente. As empresas ligadas à nova economia já trabalham com estruturas organizacionais alternativas há algum tempo. A questão agora passa a ser não mais de cunho diferencial da empresa, e sim de necessidade para que ela se mantenha competitiva.
As circunstâncias dessa nova realidade tornou tudo mais intenso e decisivo, nos fazendo pensar como podemos levar cada vez mais tudo isso, de forma positiva, para nosso ambiente profissional, empresarial e familiar. Estamos desenvolvendo competências adicionais no uso de aplicativos, plataformas, sites, entretenimento, ferramentas etc. Nossa vida está mudando com o que aprendemos com os benefícios do digital. As organizações deverão incorporar os benefícios dessa nova realidade, revisando e priorizando sua estratégia digital de forma ampla, repensando canais, comunicação, distribuição e até mesmo aquelas empresas que não tinham esses temas em sua agenda darão prioridade à sua reconfiguração.
No meio dessa crise, nos demos conta de que não basta comunicar-se de forma constante por todos os veículos possíveis e do quanto este excesso de informação pode criar distanciamento, caindo no paradoxo do século: ao mesmo tempo que nos distanciamos, nos aproximamos. De quanto o medo de que estamos perdendo alguma coisa, pode criar de ansiedade, irritação e culminar até em alienação.
Líderes, colaboradores, clientes, fornecedores e parceiros precisam ter acesso ou receber informação certa, na hora certa e na dose correta já que o isolamento, compulsório como o atual, gera natural ansiedade sobre quase tudo. Multiplicaram-se as alternativas e todos querem comunicar tudo para todos. E poucos se dispõem a ouvir de fato e com atenção o que precisa ser dito por quem quer e precisa de ajuda. E, de forma geral, entendemos que sabemos e queremos comunicar e na ânsia de fazê-lo, nos esquecemos de ouvir. Esse aprendizado, incluindo a relevância da curadoria de conteúdo será em boa parte incorporado na maneira como as empresas e negócios se relacionarão com os públicos interno e externo.
Muitas organizações e negócios se darão conta que atuam em ecossistemas, mais próximos ou mais distantes do epicentro gerador de energia, de recursos ou de inovação. Percebemos que a organização social é toda estruturada em ecossistemas. Podemos estar mais próximos ou mais distantes do núcleo de cada um desses ecossistemas. E quanto mais rápida e estruturada for a constatação de nossa visão sobre essas inter-relações e conexões no ambiente de negócios e na sociedade, mais ambiciosa e visionária poderá ser a reconfiguração de nossas atividades.
Uma empresa de plano de saúde, por exemplo, é parte de um ecossistema maior que envolve tudo que diga respeito à saúde de um país. Mas pode ser epicentro de um sub-ecossistema que integre outros benefícios, medicamentos, serviços e bem-estar, atividades físicas, informação etc.
Ainda que todos tenham entrado na crise com níveis, hierarquia e visões segmentadas e estruturadas, vamos todos sair disto iguais e mais próximos. Os fatos e as contingências do presente desenham a realidade futura, mais do que a perspectiva, de que como pessoas, dirigentes, profissionais, empreendedores e empresários, nós e nossas organizações, sairão, necessária e culturalmente diferentes de toda essa experiência, porque a única certeza é a constante mudança.
Deverá crescer em nós o desejo de participar mais, do lado dos colaboradores, e a necessidade de integrar, envolver e ter maior participação de todos, por parte das organizações. A complexidade da vida, da sociedade e dos negócios atuais pressupõe modelos de organização e gestão onde a participação se torne mais intensa e constante para facilitar o entendimento, busca de soluções, integração e velocidade de implementação.
O que temos acompanhado no mundo e no Brasil é uma tomada de consciência, compulsória, de que as empresas e os negócios devam se ater muito mais em sua existência à incorporação de atitudes com mais preocupação com o social e, para isso, devam ser mais plurais em sua forma de ser, agir e se posicionar. Essa era uma demanda que vinha se expandindo, em especial pela atitude e posicionamento das novas gerações. E agora, estão se sobressaindo aqueles negócios, empresas e marcas que já tenham esses vetores mais presentes em sua proposta estratégica e relacionamento interno e externo.
Passado as dificuldades dos primeiros momentos, onde o estupor sobrepôs-se a tudo e as reações básicas foram as de sobrevivência, privilegiando saúde, no plano pessoal e dos colaboradores, e de caixa no plano empresarial, no momento seguinte, começou a busca pela luz no fim do túnel. Visualizada a luz, começou o esforço para chegar até lá, limitado pela percepção que muito, como jamais imaginamos antes, não depende de nós, mas está comandado pelo acaso e pelas circunstâncias. Mas o sentimento que emerge é que, como nunca antes, é preciso estar com os pés no chão e olhos para o futuro que mais cedo ou mais tarde irá chegar.
E que isso seja parte do novo normal, diferente do cenário recente onde deformações em modelos de negócios, valores, imediatismo e conceitos, vinham sendo atropelados pela espiral tecno-digital criando uma realidade desconexa em muitos aspectos.
Como atitude de líderes que irá emergir a todo esse processo a necessária visão dual, de manter os pés firmes e sólidos no presente, porque a realidade a isso nos obriga, mas não tirar os olhos do futuro porque, mais do que necessário, é uma forma de equilibrar nosso próprio comportamento, pressionado em sua confiança pela dimensão dos desafios a serem enfrentados.
Não há muitas dúvidas que as organizações que conseguirem passar pela crise, seus líderes e dirigentes, irão emergir para uma nova realidade onde valores, percepções e visões do passado serão necessariamente reconfigurados como resultado da intensa e profunda experiência vivida no presente.
Talvez a crise maior, e também a maior causa de ansiedade seja que as atividades, os fazeres, as tarefas, e os modos até então conhecidos e quase nunca eram questionados pela grande maioria, caíram todos juntos, e de uma vez, por terra, exigindo uma habilidade ímpar de auto-inovação e auto-edição muito rápida. O que aconteceria progressivamente em um espaço mais longo foi encurtado por uma circunstância muito rápida e drástica, quase que impossível de ter sido prevista. De algum modo os que conseguirem sobreviver e se manter diante de todas as incertezas desenvolverão aprendizados, lições e formas de pensar, agir e realizar que abrirão espaço para coisas ainda desconhecidas, no entanto boas, de se aproximarem e se integralizarem no nosso novo cotidiano. É momento de aprender, principalmente de aprender a sobreviver ao desconforto da zona do novo, ou melhor, do desconhecido e aceitar as mudanças que não estão vindo, elas já chegaram.
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